Texto-base de discussão para a Sessão ‘Organização e financiamento do ensino superior. Modelos de gestão das instituições.

08/29/2019 | Documentos, II Congresso

I – Introdução

O presente texto visa sistematizar alguns pontos que, numa abordagem sindical, poderá ser útil ter presentes na discussão a realizar na Secção “Organização e financiamento do ensino superior. Modelos de gestão das instituições” do II Congresso do SNESup.

Até à presente data, podemos considerar relevantes para a preparação do Congresso

– a publicação do artigo “A escolha dos reitores e directores”, de João Vasconcelos Costa, em Ensino Superior-Revista do SNESup , nº 4 (Maio / Junho de 2002);

– a publicação do artigo “Um novo modelo de financiamento por fórmula”, do mesmo autor, em Ensino Superior-Revista do SNESup , nº 6 (Setembro / Outubro de 2002);

– a publicação do artigo “Crise dos recursos humanos no Ensino Superior”, de Paulo Ferreira da Cunha, no mesmo numero da Revista;

– a segunda sessão do Encontro “Nova legislação para o ensino superior”, realizado em Aveiro em 21 de Setembro de 2002, sendo de destacar, na mesa as intervenções de João Vasconcelos Costa e Nuno Mendes (presidente da Federação Académica do Porto), e nos restantes participantes as de Joaquim Infante Barbosa;

– a publicação do artigo “Do subfinanciamento à crise da qualidade”, de Luís Moutinho da Silva, no suplemento Forum Empresarial do jornal Público de 30 de Setembro de 2002.

No conjunto dos temas tratados nesses e intervenções emergem, entre outros:

– o quotidiano da actividade docente no ensino superior em Portugal e ainda sobre os valores que condicionam e definem prioridades;

– os diferentes modelos de governação actualmente existentes na Europa e nos Estados Unidos;

– os modelos de gestão e de governação das escolas de ensino superior universitário português: papel actual do Senado, forma de eleição do Reitor; alternativas ao actual sistema;

– a coordenação e, por vezes conflito, entre órgãos administrativos, científicos e pedagógicos;

– a participação dos estudantes nos orgãos de gestão e governação;

  • qual o seu peso e em que qualidade?
  • em que orgãos deverão estar representados?

–  os modelos de financiamento do ensino público e efeitos da actual situação de subfinanciamento.

No que segue ter-se-á em conta as questões que foram levantadas no âmbito da reflexão já realizada e propor-se-ão outras, tratando-se separadamente o ensino público e o ensino privado, este último com menor desenvolvimento, por a respectiva realidade ser menos debatida no Sindicato.

II . Instituições de ensino superior público

1. Propriedade, gestão e financiamento.

Parece ser um mero truísmo dizer que as instituições de ensino superior público pertencem ao Estado. No entanto toda uma tradição antiquíssima e, no caso português, toda uma evolução histórica recente, explicam que este se não apresente em Portugal na sua condição de “entidade proprietária”, “entidade titular” ou “entidade instituidora” e que se pretenda antes apresentar como portador do “interesse geral” versus ” interesses corporativos” das instituições, afinal, como vem sendo dito modernamente, como “regulador”.

No plano da gestão, o Estado tende a reconhecer a existência de uma autonomia das instituições, com múltiplas vertentes, constitucionalizada aliás expressamente apenas para as universidades , sendo a gestão das instituições exercida numa base (em Portugal) tripartida com uma abertura a representantes “do exterior” até agora praticamente sem concretização efectiva. Os órgãos do Estado não dispõem em relação às instituições de ensino superior público de poderes de direcção ou de superintendência típicos da sua relação com a “administração directa” e mesmo os poderes de tutela estão enfraquecidos em relação ao que é normal na relação com a “administração indirecta”, chegando a ser defendido que as universidades e institutos politécnicos se devem considerar integrados / devem evoluir para a integração na “administração autónoma”, à semelhança do que sucede com as regiões autónomas e as autarquias locais.

No plano do financiamento o Estado tende a assumir uma auto-vinculação por via legislativa (o “financiamento por fórmula”, consagrado aliás na actual lei do financiamento do ensino superior público) ou contratual quanto ao financiamento das instituições de ensino superior, auto-vinculação que se torna, como a experiência mostra difícil de compaginar com os processos de elaboração e revisão do Orçamento do Estado. Estão instituídos controlos de natureza global e indirecta, associando a vertente física e a vertente financeira (contingentação de admissões e atribuição de dotações com base em ETI´s.).

2. O papel regulador do Estado

São por demais evidentes as indefinições do Estado em matéria de regulação, que nem a Lei de Organização e Ordenamento do Ensino Superior nem a Lei de Desenvolvimento e Qualidade vieram ultrapassar, continuando a inexistir uma política coerente de desenvolvimento do ensino superior.

O Estado foi incapaz de fornecer às instituições indicações sobre a muito provável redução de candidaturas ao ensino superior, apesar da sua previsibilidade, bem como sobre as alterações dos padrões de preferências dos candidatos, assim como mostra dificuldade em fornecer aos candidatos indicações sobre saídas profissionais. Em matéria de garantia de qualidade, o actual sistema de avaliação tem falhas – e é notável a forma como os interesses instalados continuam a excluir a intervenção de representantes dos docentes, sob pretexto de que descredibilizaria as avaliações – mas a discussão da proposta de Lei de Desenvolvimento e Qualidade não revelou modelos alternativos sustentáveis.

Além do mais, como o SNESup amplamente criticou, continuam a estar ausentes preocupações com a qualidade laboral.

3. Organização e gestão das instituições de ensino superior público

3.1. Modelos de organização das universidades e institutos politécnicos.

A autonomia estatutária reconhecida às universidades tem permitido construir soluções organizativas diversificadas em que contudo se faz sentir a influência dos modelos originários, centralizadores ou federativos, determinados pelo DL 781-A/76 ou pelo DL 35/82. De assinalar que, se algumas das universidades originariamente não estruturadas por faculdades vêm agora adoptando tal modelo, outras mantêm uma estruturação departamental.

A autonomia dos institutos politécnicos permite-lhes ainda, tal como está definida na lei, optar por modelos mais centralizados ou mais federativos. É de assinalar a existência de propostas, que também têm surgido nas universidades, da passagem algumas instituições actualmente integradas a instituições não integradas.

Em cada instituição, a definição de um modelo de organização interna tem por vezes de ter em conta a dificuldade de articular órgãos com funções administrativas – ou de gestão global da instituição – científicas e pedagógicas.

– é notória a existência, em certas situações, de conflitos entre os Conselhos Científicos e os Conselhos Directivos ou Directores, que muitas vezes se reconduzem a determinar quem é responsável pela definição da política de pessoal docente, embora os conflitos tendam a surgir em processos de promoção/renovação de contrato ou de atribuição de serviço docente;

– poderão surgir no futuro conflitos entre Conselhos Científicos e Conselhos Pedagógicos, se estes vierem a dispor de competência para emitir juízos sobre o desempenho profissional dos docentes.

Estes conflitos têm conduzido por vezes

–  a desenvolvimentos em que um órgão tenta “capturar” o outro (uma lista para o órgão directivo que nasce no âmbito do órgão científico, um presidente do conselho directivo proposto por um sector próximo do órgão directivo, etc.);

– a soluções, que vêm sendo adoptadas em instituições de grande dimensão, em que na cúpula da instituição coexiste um “presidente da escola” e vice-presidentes que presidem aos vários órgãos.

Tem sido entretanto notável a descentralização da gestão e das competências, a favor de Departamentos e Secções, que nas universidades se vem processando desde a publicação do DL nº 66/80, e que está já também a ser posta em prática em muitas instituições de ensino superior politécnico. Os departamentos constituídos assumem nalguns casos um carácter vertical, isto é, para além de reunirem docentes da mesma área científica, lançam os seus próprios cursos e dotam-se de estruturas de coordenação pedagógica própria.

Sendo reconhecidas quase unanimemente as vantagens desta descentralização, que, ao seu nível, elimina o conflito função administrativa – função científica – função pedagógica convém dar nota de que também se diz por vezes que ela conduz a:

  • maior competição financeira entre Departamentos ou Secções;
  • maior diversidade de estilos de gestão aumentando o fosso entre áreas ricas e áreas pobres;
  • maior espirito individualista com clara diminuição do espirito de escola;
  • duplicação de meios e falta de optimização de custos;
  • constituição de grupos com gestão independente cuja dimensão está muito abaixo da dimensão considerada critica de forma a proporcionar ao sistema alguma autoregulação.

Atento a estas evoluções, o SNESup não tem considerado necessário definir sobre elas qualquer posição. Apenas, em processos relativos a distribuição de serviço ou a afastamento de docentes, tem tido necessidade de se apoiar frequentemente em posições tomadas pelos Conselhos Científicos, mais atentos ao cumprimento dos Estatutos de Carreira e a considerações de mérito vsconsiderações economicistas. O II Congresso, contudo, poderá ser um local de troca de experiências e de opiniões sobre estas matérias.

3.2. Docentes e estudantes, suportes do actual modelo de gestão.

A coexistência de docentes, estudantes e funcionários não docentes nos órgãos, e o peso relativo de cada um deles – ou o peso dos vários corpos nas assembleias eleitorais de reitores e presidentes – tem sido motivo de forte polémica. Um número apreciável de docentes considera mesmo que a eleição dos reitores ou presidentes de politécnicos por colégios eleitorais com um grande peso de estudantes conduz a eleger candidatos que não desejam protagonizar rupturas. Outros, no entanto, consideram que a introdução do sufrágio universal, com uma eventual introdução de voto ponderado, poderia contribuir para a dinamização das instituições, com um papel positivo dos estudantes, ou seja, é o modelo do colégio eleitoral com pluralidade de representação de escolas e de corpos e com inerências, que pressiona no sentido do conservadorismo.

Não deixa de ser curioso que, num mesmo modelo de gestão

– exista, da parte de muitos estudantes, a convicção de que docentes e funcionários não- docentes se unem, nos órgãos em que ambos participam, contra as posições dos estudantes;

– exista, da parte de muitos docentes, a percepção de que os docentes estariam em minoria nos órgãos não puramente científicos, ou, pelo menos, que reitores e presidentes de politécnicos ou presidentes de instituições se manteriam no poder à custa do uma gestão populista, apoiada em concessões a estudantes e a funcionários não-docentes.

No entanto será indiscutível, que, sobretudo nas instituições que adoptaram modelos descentralizados se torna necessário reflectir sobre a adicional carga de funções e responsabilidades por quem para além de ser professor acumula cargos de gestão.

Parece consensual que para além do reforço adicional existente a nível individual pelo desempenho desses cargos ou pelo gosto pelo poder não existem compensações a nível salarial o de reconhecimento na carreira que justifiquem o trabalho, dir-se-á mesmo sacrificio. Esta lógica cria de há muito problemas na escolha de quem gere a instituição. As escolhas são feitas muitas vezes escolhidas com base em critérios pouco aceitaveis e em tudo errados tais como: rotativamente; o doutor mais novo; sempre o mesmo; o mais poderoso; o mais velho; etc.

Entretanto a gestão estará cada vez mais condicionada no futuro pela necessidade de uma maior rentabilização de recursos e pela inevitável e previsivel competição pela qualidade.

Quem tem responsabilidade de gestão é cada vez mais pressionado para evitar o abismo eminente e muitas vezes inevitável de vir ter uma escola sem alunos ou recheada de alunos que em muitos casos são considerados o refugo das áreas que estão na moda. Em situação mais grave estão ainda as escolas situadas fora dos grandes centro urbanos às quais acresce ainda e de forma mais acentuada o problema da desertificação e diminuição de população em idade escolar.

Quem está preparado para gerir escolas sem alunos, escolas que em consequência, lentamente o deixarão de o ser?

Será necessário, com o cuidado devido de forma a não ser eliminado a capacidade de autoregulação, atribuir mais poderes a quem gere de forma a agilizar a gestão e diminuir os custos de uma gestão colegial, mesmo que isso venha a sacrificar alguma democraticidade?

Será que estas necessidades apontam para a introdução de gestores profissionais ou profissionalizados? Se sim, qual a sua base de recrutamento? Qual o seu processo de selecção? Qual o seu estatuto, designadamente remuneratório? Perante quem respondem?

Não existem varinhas mágicas para resolver estes problemas. Não existem mesmo soluções ou receitas que se apliquem com sucesso a todas as escolas. Poderá haver um tipo de escola mais comum em que o determinado modelo tipo de gestão se possa aplicar. Neste como noutros países as escolas de ensino superior são estruturas muito diversificadas, realidades diferentes, que a nível da gestão corrente terão de seguir modelos de gestão que melhor se adaptem às suas caracteristicas próprias.

Apesar dos problemas existentes em muitas escolas há quem defenda que os actuais sistemas e modelos de gestão, são versáteis eficazes e estão a dar provas visiveis na capacidade que as instituições tem tido em sobreviver perante as corte orçamentais, subfinanciamento e uma herança de meios e apoio miseráveis.

Apesar da diversidade de abordagens e de soluções possíveis, deve ser retido que a discussão a que se vem procedendo sobre modelos de gestão, e sobre os méritos da gestão electiva e tripartida nos moldes tradicionais (docentes, estudantes, funcionários não docentes) não impede que milhares de docentes se empenhem efectivamente na gestão das suas instituições, e considerem esta gestão democrática, com todas as suas limitações, como preferível a soluções de pendor autoritário e não-participativo.

Neste contexto, o II Congresso do SNESup, discutindo toda esta temática, terá talvez de definir uma posição quanto a cenários de evolução legislativa em que este modelo de gestão venha a ser limitado ou liquidado sem que haja consenso sobre o que o substituirá.

4. Financiamento

Vêm-se tornando recorrentes as discussões sobre o financiamento do ensino superior, que, na altura em que se realiza o Congresso do SNESup, atravessa um momento particularmente crítico.

O financiamento do ensino superior público português através de receitas gerais do Orçamento do Estado baseia-se, essencialmente, num processo de fixação anual de dotações através de fórmula que se pretende tenha em conta “custos padrão e indicadores e padrões de qualidade equitativamente definidos para o universo de todas as instituições”. Para além deste processo, as instituições estão sujeitas a fixação de contingentes de pessoal docente e têm apenas uma competência limitada em matéria de definição dos seus quadros, ou seja aliam-se controlos físicos e controlos financeiros, embora com uma natureza global e indirecta.

A adopção de modelos de financiamento por fórmula permite reduzir a discricionariedade, mas conduz a uma clara falta de convergência para o equilíbrio e funcionou como único factor regulador. Muitas escolas tentaram fazer crescer a sua fatia no financiamento respondendo com um aumento do número de alunos por via do aumento do número de vagas ou ainda pela criação de novos cursos. As consequências desta politica no modelo de financiamento está à vista de todos e tal como seria previsivel só funcionou enquanto o sistema esteve numa fase de crescimento.

Existem diversos outros mecanismos de financiamento específicos, e as instituições podem, ainda, dispor de receitas próprias, em termos necessariamente limitados, uma vez que só têm capacidade para definir as propinas de pós-graduações, mestrados e doutoramentos. È conhecido que vêm assegurando algumas receitas que nada têm a ver com a prestação de serviço de ensino, e que as despesas de funcionamento outras que não as despesas com remunerações tendem a ser cobertas por estas receitas. Tudo isto é irracional e insustentável a médio e longo prazo.

É essencial caminhar-se

– no sentido da plurianualidade, planos plurianuais de desenvolvimento das instituições, planos de gestão de pessoal e de lugares de quadro plurianuais, orçamentos plurianuais;

– no sentido da contratualização – contratos de financiamento plurianual, englobando todas as componentes da fórmula, prestação de garantias de execução, possibilidade de recurso a tribunais para dirimir litígios sobre a sua interpretação ou garantir a sua execução.

5. Gestão das instituições e intervenção sindical

Na quase totalidade das instituições de instituto superior público o docente ou investigador tem juridicamente como entidade empregadora a própria instituição, que goza de personalidade jurídica própria, instituição essa em cuja gestão tem também o direito de participar.

Essa dupla posição acarreta para os docentes pesados inconvenientes no plano laboral.

– o poder político confunde, muitas vezes intencionalmente, os interesses das instituições com os interesses dos docentes e investigadores, impondo às primeiras restrições às admissões ou restrições financeiras, que só podem ser suportadas lesando legítimos direitos dos docentes;

– os órgãos das instituições, “passam” com alguma facilidade essas restrições aos docentes, tanto por apelo a uma identificação natural com os objectivos prosseguidos pela instituição e com o desejo de assegurar a sua continuidade, como pela dificuldade de se esboçar uma resistência individual ou colectiva que ponha em causa hierarquias académicas, ou se venha a traduzir na sobrecarga de colegas ou em lesão dos direitos dos alunos;

– frequentemente, são os próprios órgãos das instituições que, sem qualquer pressão externa, ou ultrapassando em muito o que decorreria dessa pressão, editam normas ditas interpretativas ou adoptam práticas restritivas dos direitos dos docentes;

– a abertura da possibilidade de contratualização individual de condições de trabalho e de formação, sem balizas legais, pode conduzir a situações aberrantes, como as que se vêm verificando em algumas instituições a propósito da celebração de contratos no âmbito do PRODEP

Os inconvenientes referidos seriam notoriamente reforçados se prevalecesse uma orientação como a proposta no anteprojecto José Reis de revisão do ECDU (2001) , segundo a qual as instituições poderiam fazer regulamentos de ordem laboral relativamente a aspectos não regulados no Estatuto de Carreira.

Considera-se a propósito necessário recordar que o SNESup tem defendido

– que as relações entre as instituições e os docentes enquanto trabalhadores por conta de outrem sejam reguladas por lei, e que essa lei resulte de negociações entre o Estado e as associações sindicais;

– que em cada universidade, instituto politécnico, ou instituição não integrada, sejam criada comissões sindicatos-administração (e não “provedores” nomeados pelas instituições), encarregadas de se pronunciar sobre questões concretas de aplicação dos Estatutos de Carreira e de outra legislação;

– que, nos contratos administrativos de provimento celebrados seja obrigatória a introdução de cláusula compromissória (obrigando ao recurso à arbitragem) sempre que o docente o considere desejável;

para além de prestar apoio jurídico em toda uma série de conflitos entre docentes e instituições e intervir enquanto tal na denúncia de situações de lesão dos interesses dos docentes.

Em matéria laboral, assume-se portanto que o docente deve ver-se a si próprio e ser visto, enquanto trabalhador por conta de outrem, como exterior à instituição.

A inscrição do docente no Sindicato, se assumida, reforça esta reivindicação de exterioridade, frequentemente enfatizada pela apresentação de um parecer de um advogado (do Sindicato), ou pela intervenção da Comissão Sindical do Sindicato na instituição, ou até pela intervenção da própria Direcção do Sindicato. O conflito, difícil de gerir no plano das relações quotidianas, ganha em ser transferido para o plano sindical.

Há aqui todavia dificuldades específicas que importa assinalar

– torna-se difícil dinamizar Comissões Sindicais que assumam este papel, pois que a intervenção dos seus membros pode ser entendida como um desafio “interno” à hierarquia;

– existindo assimetrias de implantação sindical, os protagonistas da intervenção sindical na escola poderão facilmente ser conotados com departamentos e secções específicos, ou até, em circunstâncias em que se verifique divisão do corpo docente por razões ligadas ao exercício do poder, com uma das facções existentes.

III. Privado

1. Propriedade, gestão e financiamento

No ensino superior privado surge mais claramente a presença, por detrás da instituição, propriamente dita, da “entidade instituidora”, “entidade titular” ou “entidade proprietária”, sem que a lei obrigue à atribuição de personalidade jurídica própria às instituições (admite-o apenas, com alcance pouco claro, para o caso das universidades). Deste modo, enquanto que no ensino público, a instituição, criada pelo Estado, se constitui ela própria em sujeito de relações com os seus docentes, com os seus alunos e com a sociedade em geral, no ensino privado é uma sociedade anónima, uma cooperativa, uma fundação, que o fazem sob a aparência da instituição. Esta é um mero estabelecimento detido pela entidade proprietária

No plano da gestão, apesar de certas salvaguardas quanto à composição dos órgãos académicos, são os órgãos de administração das entidades instituidoras que de facto gerem do ponto de vista administrativo e financeiro as instituições.

No plano do financiamento, as instituições não têm finanças próprias. Eventuais apoios financeiros públicos reverterão para a entidade instituidora.

2. Papel regulador do Estado

Vale, em relação às instituições privadas, o que se disse em relação às instituições públicas, sendo certo que em relação às segundas a intervenção do Estado se centra na verificação prévia de requisitos de abertura de estabelecimentos e de criação de cursos.

A capacidade de o Estado actuar a posteriori, ferindo interesses instaladosinspira as maiores dúvidas. Tenha-se em conta que, até ao presente, só foram encerrados cursos ou estabelecimentos que funcionavam sem autorização.

O incumprimento da legislação que regula o funcionamento dos estabelecimentos, bem como, este largamente generalizado, da legislação geral do trabalho, a forma como os vários normativos aplicáveis se sucedem uns aos outros, sempre com períodos de adaptação – ou de tolerância – não favorece a criação de um consenso sobre os modelos de relacionamento entre o Estado e as instituições de ensino superior privado.

3. Organização e gestão das instituições de ensino superior privado

A questão do relacionamento entre as entidades instituidoras e as instituições é a questão fulcral a debater neste ponto, até porque a autonomia consagrada na Constituição poderá ser entendida, em relação às privadas, não só como autonomia em relação ao poder político mas também como autonomia em relação às entidades instituidoras..

A legislação vigente tem procurado assegurar a separação entre a gestão administrativa e financeira, a cargo das entidades instituidoras, e a gestão científica e pedagógica, a cargo dos órgãos académicos, isto é, das próprias instituições. Esta separação não é geralmente cumprida, por deficiências da própria lei, que abre excepções quando não o deveria fazer; por falta de uma fiscalização eficaz, mas também porque, na realidade, – os titulares das entidades instituidoras são muitas vezes, eles próprios, professores, assuma-se ou não a forma de cooperativa na organização da entidade instituidora; porque outros titulares, “sócios capitalistas” e sem credenciais académicas definidas, acabam por integrar o corpo docentes e participar nessa qualidade nos próprios órgãos académicos, e enfim, porque quem controla os dinheiros acaba por controlar as instituições.

O conhecimento público de algumas situações está a criar um clima favorável a uma modificação do enquadramento legal da criação e gestão de instituições de ensino superior privado. Resta saber se este clima perdurará e em que sentido vai ser aproveitado. Entre as propostas de reforma do modelo inclui-se a possível obrigatoriedade futura de as entidades instituidoras se revestirem de forma fundacional, como factor limitativo do apetite pelo lucro e preventivo do desencadeamento de lutas pelo poder.

Poder-se-á talvez esboçar um modelo de relacionamento em que

– as entidades instituidoras e as instituições tenham, ambas, personalidade jurídica;

– a forma de exercício da gestão administrativa e financeira seja objecto de acordo entre as partes, e confiada a uma equipa constituída para o efeito em regime de contrato de gestão;

– as entidades instituidoras que, por qualquer razão, perdessem capacidade ou idoneidade para assegurar o cumprimento das suas responsabilidades possam ser/sejam obrigadas a transmitir a terceiros, de capacidade e idoneidade comprovadas, os seus direitos sobre as instituições.

4. Financiamento

O financiamento das instituições de ensino superior privado é assegurado basicamente pelas elevadas propinas dos alunos, procurando, como é conhecido, as entidades instituidoras, pressionar o Estado a conceder apoios financeiros em igualdade de circunstâncias com o ensino público, designadamente sob a forma de cheque – ensino

A controvérsia público-privado é conhecida, mas a desigualdade de tratamento tem antes de mais raiz constitucional, uma vez que o artigo 73º da CRP exige que o Estado crie uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população, cabendo-lhe apenas reconhecer e fiscalizar o ensino privado, embora este tenha deixado de ser qualificado como “supletivo”.

No plano prático

– o financiamento público das instituições privadas é inviável, face a restrições financeiras reconhecidas;

– iria contribuir para uma sobrevivência artificial de algumas instituições e de alguns cursos iludindo a necessidade de reestruturações.

Nas circunstâncias actuais de impunidade no incumprimento de obrigações legais, também de ponderar

– que antes de se encarar qualquer forma de financiamento público do ensino privado será preciso garantir maior transparência nas relações entre entidades instituidoras e instituições;

– que atribuir um financiamento tipo cheque – ensino conduziria a criar uma “renda”, não em favor das instituições mais eficientes, mas das mais incumpridoras.

5. Gestão das instituições e intervenção sindical

A intervenção sindical nas instituições de ensino superior privado insere-se num modelo clássico de relacionamento sindicatos-entidades patronais, com a característica de ter lugar num ambiente que poderemos designar de capitalismo selvagem. Não se verificam assim as complexidades que apontámos anteriormente na intervenção nas instituições de ensino público.

O SNESup definiu já em Conselho Nacional orientações quanto ao regime laboral no ensino superior particular e cooperativo que, pese embora o retrocesso decorrente da revogação da Lei nº 26/2000, de 23 de Agosto, são de manter.

Entende-se contudo que a salvaguarda da dignidade do ensino superior exige que o SNESup se bata também pela defesa da legalidade dos estatutos e regulamentos que não os laborais, designadamente com vista a garantir o respeito pela autonomia dos órgãos científicos e pedagógicos e a não-inclusão nestes órgãos de membros designados directa ou indirectamente pelas entidades instituidoras.

A salvaguarda da dignidade do ensino superior seja ele público ou privado passa pela dignificação da profissão de professor de uma forma indiferenciada em todos os subsistemas e pelo reconhecimento e valorização, por parte das instituições, do papel basilar que estes desempenham.

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