Resultados do Inquérito às Condições Laborais no Ensino Superior e Ciência em Portugal – Comentários dos Respondentes

07/20/2022 | Sem categoria

Precariedade Estrutural

Na categoria relativa a “precariedade estrutural” encontramos mais testemunhos que expressam tendências de desqualificação. São relatados situações e percursos de investigadores e professores de ensino superior com muitos anos de atividades de ensino e investigação sempre com contratações precárias e num registo de constante incerteza sobre as condições que enquadram o desempenho das suas atividades. Mais especificamente, destaque-se o desequilíbrio entre percentagem de contratação e horas de trabalho, o prolongamento de contratos como convidados durante anos que chegam a prolongar-se por décadas e os muito baixos níveis salariais. Alguns expressam intenções de abandonar o trabalho no ensino superior e ciência.

 

Alguns testemunhos descritivos da categoria “precariedade”:

“Os contratos de Ciência, investigador FCT e os CEEC individuais [Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual] foram pensados para uma carreira de investigação científica que não é reconhecida em grande parte das universidades e que retirou a grande maioria dos investigadores do PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública]. Esses investigadores são obrigados a concorrer sucessivamente a concursos individuais em diferentes graus para manterem os seus contratos e concorrer a projetos de investigação para assegurar as suas linhas de investigação e equipas. Só precariedade e uma falta de estratégia para a Ciência, por parte do Ministério, que depois se manifesta na FCT e nas universidades. Criaram CoLAbs, muitas vezes em processos pouco claros, e que na sua grande maioria não respondem aos desafios de investigação, estruturados em redes de interesses nem sempre claros e com parcos recursos de contratação de investigadores de carreira.”

“Exerço funções de investigação numa Universidade/Laboratório Associado há quase 20 anos e ainda não tenho uma “carreira profissional”! Lamentavelmente, o meu CV nunca é suficientemente sólido para superar esta situação profissional precária. Isto aplica-se a muitos colegas nas diferentes áreas científicas às quais o país tanto deve nestas últimas décadas…”

“Após mais de duas décadas de exercício de docência e de investigação no ensino superior politécnico (6,5 anos como Equiparada a Assistente do 1.º Triénio + um ano como Equiparada a Assistente do 2.º Triénio) e universitário (cinco anos como Investigadora Auxiliar no âmbito do Programa Ciência + três anos como Investigadora Auxiliar Convidada + três anos e meio anos como bolseira Pós-Doc + um ano com subsídio de desemprego), atualmente, estou com uma bolsa de pós-doutoramento num projeto que acabará dentro de dois meses.  Tenho 51 anos, duas filhas estudantes no Ensino Superior; o meu marido (também doutorado e que também já esteve sem qualquer rendimento durante vários anos) tem atualmente um contrato de trabalho a termo incerto… Julgo que merecia mais de um sistema para o qual já trabalhei tanto e com tanto empenho”.

“Acabe-se com a aberração legal da figura de “professor convidado”. Na área que leciono, os departamentos têm, frequentemente, um ou dois professores de carreira e três ou quatro vezes mais professores convidados. Como é óbvio, a maioria de nós são apenas professores regulares e não ‘individualidades nacionais ou estrangeiras’”.

“Desde 2017, aproximadamente, tenho contrato a termo a 50%, que implica a distribuição de sete horas semanais de serviço docente, sendo professor convidado. Isto equivale a 14h/semana se o contrato fosse a 100%. No entanto esta equivalência ultrapassa as horas semanais de serviço de um professor de carreira (9h a 12h). As percentagens estão a ser calculadas de modo diferenciado, colocando os professores convidados numa situação mais precária e de desigualdade salarial, tendo estes o mesmo grau de competência e formação académica. Isto tem de ser visto e valorizado pelos sindicatos quanto à gestão dos recursos humanos das universidades”.

“Neste momento, ao meu 7.º ano de contrato de professor auxiliar convidado consecutivo, foi-me oferecido um contrato completamente diferente do acordado inicialmente, com a agravante de me ter sido comunicado somente a uma semana do início das aulas…”

“A situação precária dos trabalhadores, como eu, no ensino superior, são das mais problemáticas no nosso país. A tempo parcial, sucessivos contratos de cinco meses a auferir um rendimento de menos de 600 euros líquido onde nem existe subsídio de refeição”.

“No meu caso particular, o caso dos assistentes convidados, o governo, e as instituições de ensino superior em particular, estão a ‘servir-se’ de uma mão de obra altamente qualificada para colmatar necessidades permanentes das instituições. Somos contratados sem exclusividade e a tempo parcial, alegando que esta não é a nossa atividade principal, o que não corresponde à realidade. Acresce a tudo isto, o facto de nunca ter mudado de escalão. Aliás, terminei a licenciatura em 2014 e NUNCA mudei de escalão!  São poucos os que acreditam que, no final do mês, líquido, recebo 815€. Numa altura em que tanto se fala sobre o aumento do salário mínimo, ao qual não me oponho, evidentemente, urge refletir e repensar a atual situação de TODOS”.

“As funções que exerço são letivas, por vezes em três estabelecimentos da mesma instituição, uma delas dista 70km do Pólo principal. O tempo para investigação é reduzido, mas esforço-me por participar em congressos nacionais e  internacionais e por fazer publicações”.

“O meu salário bruto é a acumulação de três salários, de três escolas diferentes”.

“O rendimento atual no exercício de docência no ensino superior politécnico é de 540,00 euros. Nada mais acrescentar, porém o sentimento de não existirem perspetivas de futuro prevalece perante a instabilidade existente.”

“Os investigadores contratados ao abrigo da Norma Transitória DL 57/2016 encontram-se numa situação de precariedade semelhante aos dos Bolseiros de Pós-Doutoramento. Foram realizados contratos de trabalho, no entanto, não foram dadas quaisquer condições de trabalho por parte das instituições contratantes (computadores e espaço físico adequado), tratando os investigadores como se fossem uma classe de trabalhadores ‘volátil’”.

 “A impossibilidade de melhorar as condições ou inclusive de não ter contrato daqui a três anos, tendo família e um sem fim de encargos, resulta profundamente injusto e desmotivador”.

“Vou deixar o ensino superior nos próximos quatro anos. Estou cansado de como sou tratado. A contínua falta de segurança e incapacidade de seguir o caminho que a minha experiência sugere…. A burocracia e as regras são violentas e desrespeitosas. O sistema só se preocupa que eu coloque o logotipo da FCT nos relatórios. Não se importa se a minha pesquisa tem algum impacto real na sociedade”.

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