- A resposta proposta tem como suporte a doutrina e a jurisprudência dominantes de que são bem exemplificativos, o Ac.do STA de 16/11/2012, Proc. n.º 838/11 (dgsi.pt) e o Parecer n.º 7/2013, do Conselho Consultivo da PGR, publicado no DR. 2ª série, de 16/10/2015.
- A obrigatoriedade de apresentação anual de declaração de rendimentos (declaração de IRS), solicitada/exigida pelas várias instituições empregadoras para efeitos de aferir o cumprimento do regime de dedicação exclusiva, contende com a consagração do princípio de sigilo fiscal.
A consagração da regra do sigilo fiscal, constante do artigo 64.º, da Lei Geral Tributária, corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da atividade tributária, estando por ele abrangidos os dados de natureza pessoal dos contribuintes e os dados expressivos da sua situação tributária, os quais só podem ser revelados a terceiros – outros sectores da Administração ou particulares – nos casos expressamente previstos na lei.
Podem ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis (dados públicos ou dados pessoais constantes de documento público oficial, como acontece, por exemplo, com o número de identificação fiscal, com a identificação dos bens inscritos na matriz predial ou no registo predial e comercial) bem como os dados fiscais que não reflitam nem denunciem a situação tributária dos contribuintes.
Nesta medida encontram-se abrangidos pelo sigilo fiscal, integrando-se nos “dados relativos à situação tributária dos contribuintes”, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não, que reflitam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais tem considerado que o sigilo fiscal implica para os funcionários da Administração Fiscal a obrigação de guardar sigilo relativamente ao “rendimento” ou à “situação tributária dos contribuintes” (v.g. os seus bens, as receitas, as despesas, as deduções e despesas), na consideração de que esta informação tem carácter reservado desde que a sua difusão evidencie a situação patrimonial ou contributiva do titular dos dados, assim se pretendendo salvaguardar a confiança depositada pelo contribuinte na Administração Fiscal e, ao mesmo tempo, tutelar a intimidade da vida privada.
Do supra exposto resulta claramente que os dados fiscais, que reflitam a situação patrimonial dos contribuintes são dados pessoais (em contraponto com os chamados dados públicos, p. ex. o n.º de contribuinte/bens inscritos no registo predial), enquadrados no âmbito da proteção da intimidade privada (art.º 26º, da Constituição da República Portuguesa).
Neste pressuposto, a divulgação dos rendimentos patrimoniais a terceiro depende do consentimento expresso do cidadão, no caso, dos docentes/investigadores.
Os eventuais despachos ou determinações das entidades diretivas das instituições empregadoras que contenham determinação de apresentação de documento comprovativo de rendimentos dos docentes/investigadores em exclusividade, são assim, a nosso ver ilícitos, por falta de suporte legal.
Nada impede que os que quiserem, por que é uma decisão sua, voluntariamente, apresentem o comprovativo exigido; está no estrito âmbito pessoal da disponibilidade de prescindir da salvaguarda de reserva sobre os seus rendimentos patrimoniais pessoais.
Outra questão consequente é saber se a instituição empregadora pode sancionar disciplinarmente o docente/investigador por não ter apresentado tal comprovativo?
Ora, como decorre do acima expresso, tendemos a considerar que a resposta é negativa, porquanto a recusa é legítima por se enquadrar na esfera da salvaguarda do direito fundamental da intimidade privada, onde se inserem os dados pessoais fiscais.
Por fim, outra questão pode e deve ser suscitada: poderão as instituições solicitar à Autoridade Tributária (AT) informação sobre os rendimentos do docente/investigador e esta ter a tentação de a fornecer e daqui resultar prova para abertura de procedimento disciplinar e eventual reposição de retribuição, por violação de dever de exclusividade.
Na nossa opinião o art.º 64º, da Lei Geral Tributária proíbe a AT de fornecer essa informação, com fundamento, no caso, de uma razão: não há norma expressa na lei que permite à AT fornecer informação para efeitos de instauração de processo disciplinar pelas entidades empregadoras contra os seus docentes/investigadores, por eventual violação do dever de exclusividade.
Julgamos que a prova obtida nestes termos, por via da AT, é nula, como nulos serão o processo e a eventual sanção disciplinar aplicada.
Em conclusão, os docentes/investigadores não estão legalmente obrigados a apresentar declaração comprovativa dos rendimentos, nem podem ser sancionados pela sua não apresentação, sendo bastante, p. ex. uma mera declaração de compromisso de honra de que cumprem o regime de dedicação exclusiva.
Dr. José Henriques Martins