Definição e abrangência do regime de dedicação exclusiva

02/13/2023 | Sem categoria

O regime de prestação de serviço em dedicação exclusiva é o regime regra no exercício de funções públicas (art.º 20º, da LTFP).

Nos setores privado e cooperativo, o regime será aquele que contratualmente ou nos estatutos próprios de cada instituição, está definido, dizendo-nos a observação e o conhecimento empírico que nestes setores o regime regra é o de regime de prestação de serviço em tempo integral.

Como decorre do supra exposto, a questão jurídica relevante coloca-se sobre os docentes/investigadores do setor público, que exercem funções públicas e que merece ser analisada com mais detalhe.

No âmbito do exercício de funções públicas, devemos também enquadrar os docentes/investigadores de instituições públicas de regime fundacional com gestão ao abrigo do direito privado, abrangendo, para o que aqui nos interessa, os que foram contratados ao abrigo do Código do Trabalho.

Compulsados os estatutos de carreira verificamos que no ECDU (art.º 67º, n.º 1) e no ECPDESP (art.º 34º, n.º 1), o regime regra de prestação de serviços é o regime de dedicação exclusiva.

Já no ECIC (art.º 51º, n.º 1), a abordagem é ligeiramente diferente, não estando formalmente definido como regime regra, o regime de dedicação exclusiva.

Contudo, nos três estatutos, é facultada a escolha pelo docente/investigador interessado do regime de prestação de serviço.[1]

Como dissemos, a lei determina que o exercício de funções públicas, deva ser, por regra, sujeito ao regime de exclusividade.

Mas, a regra admite exceções, e de entre as várias legalmente previstas, inscrevem-se as previstas nas carreiras especiais da docência e da investigação científica (possibilidade de opção pelo regime de tempo integral).

O regime de dedicação exclusiva, assente no princípio de quem exerce funções públicas está exclusivamente ao serviço do interesse público tem, no âmbito das carreiras docentes /investigação, duas consequências práticas:

  1. o direito à retribuição integral prevista no respetivo sistema retributivo (ao regime a tempo integral corresponde uma redução de 1/3 da retribuição mensal);
  2. uma proibição (quase) total de exercer outras funções/atividades públicas ou privadas remuneradas.

 

Nos ECDU/ECPDESP/ECIC, art.º 70º, 34º-A e 51º, respetivamente, está legalmente consignado: o regime de dedicação exclusiva implica renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício da profissão liberal.

Por sua vez, o teor destas normas está replicado nos Regulamentos de Contratação das instituições em regime fundacional, valendo, por esta via, também como regime regra para os contratados ao abrigo do Código do Trabalho.

 

Há assim uma delimitação negativa muito objetiva do que um docente /investigador em regime de dedicação exclusiva não pode fazer, para além, da atividade contratual e estatutariamente definida: qualquer atividade pública ou privada remunerada, independentemente da modalidade jurídica sob a qual essa atividade seja exercida.

Contudo, a lei admite exceções ao princípio supra enunciado:

  1. não é violador do dever de dedicação exclusiva o exercício de atividade não remunerada;
  2. não é violador do dever de dedicação exclusiva o exercício de atividades cujas remunerações decorram de (v. art.º 70º, do ECDU, art.º 34º-A, do ECPDESP e art.º 52º, do ECIC, também o art.º 7º, do Decreto-lei n.º 57/2016, de 29 de agosto – regime de contratação de doutorados destinados a estimular o emprego científico e tecnológico):
    1. Direitos de autor;
    2. Edições de publicações científicas;
    3. Realização de conferências, palestras, cursos breves, cursos de formação profissional de curta duração e outras atividades análogas;
    4. Ajudas de custo;
    5. Despesas de deslocação;
    6. Desempenho de funções em órgãos da instituição a que esteja vinculado;
    7. Participação em órgãos consultivos de instituição estranha àquela a que pertença, desde que com a anuência prévia desta última e quando a forma de remuneração seja exclusivamente a de senhas de presença;
    8. Participação em avaliações e em júris de concursos ou de exames estranhos à instituição a que esteja vinculado;
    9. Elaboração de estudos ou pareceres mandados executar por entidades oficiais nacionais, da União Europeia ou internacionais, ou no âmbito de comissões constituídas por sua determinação;
    10. Prestação de serviço docente em instituição de ensino superior pública diversa da instituição a que esteja vinculado, quando, com autorização prévia desta última, se realize para além do período semanal de trinta e cinco horas de serviço e não exceda quatro horas semanais;
    11. Atividades exercidas, quer no âmbito de contratos entre a instituição a que pertence e outras entidades públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, quer no âmbito de projetos subsidiados por quaisquer dessas entidades, desde que se trate de atividades da responsabilidade da instituição e que os encargos com as correspondentes remunerações sejam satisfeitos através de receitas provenientes dos referidos contratos ou subsídios, nos termos de regulamento aprovado pela própria instituição de ensino superior.

A perceção da remuneração prevista na alínea K) só pode ter lugar quando a atividade exercida tiver nível científico ou técnico previamente reconhecido pelo órgão de direção da instituição de ensino superior como adequado à natureza, dignidade e funções destas últimas e quando as obrigações decorrentes do contrato ou da aceitação do subsídio não impliquem uma relação estável.

Se o elenco das atividades/tipo de remunerações auferidas não violadoras do regime de exclusividade, não levanta questões de monta, importa, no entanto, analisar alguns casos:

i. Realização de conferências, palestras, cursos breves, cursos de formação profissional de curta duração e outras atividades análogas

Neste ponto é de suma relevância para a melhor definição do conceito de “curso breve” para efeitos de (in)cumprimento do dever de exclusividade, dar a conhecer a orientação constante da Resolução Normativa 4/CRUP/87, de 14 de dezembro e que serve de referência no âmbito do ensino superior (e que pode servir de referencial para a delimitação temporal de cursos de formação profissional de curta duração):

Entende-se por curso breve ou atividade análoga a realização de um curso em que a participação do docente não envolva mais do que vinte horas de lecionação.

O encadeamento de dois ou mais cursos ainda que cumprindo individualmente o limite de vinte horas não cabe no conteúdo de curso breve.

O encadeamento de conferências ou palestras, numa mesma instituição e sobre a mesma temática genérica, assumirá o caráter de curso e ficará sujeito ao limite de vinte horas.

Perde classificação de “curso breve” a realização de mais de dois cursos numa mesma instituição no mesmo ano escolar a partir do terceiro curso inclusive.

Perde a classificação de “curso breve” a realização de mais de quatro cursos no mesmo ano escolar, independentemente da instituição em que se realizem, a partir do quinto curso inclusive.

Não está prejudicada realização de curso de maior duração desde que enquadrados no  âmbito de contratos entre a instituição a que o docente/investigador pertence e outras entidades públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, quer no âmbito de projetos subsidiados por quaisquer dessas entidades, desde que se trate de atividades da responsabilidade da instituição e que os encargos com as correspondentes remunerações sejam satisfeitos através de receitas provenientes dos referidos contratos ou subsídios, nos termos de regulamento aprovado pela própria instituição de ensino superior.

 

ii. Lecionação noutra instituição de ensino superior público

Não é violado o dever de exclusividade a prestação de serviço docente em instituição de ensino superior pública diversa da instituição a que está já vinculado quando, com autorização prévia desta última, sua entidade empregadora, desde que se realize para além do período semanal de 35 horas de serviço e não exerça as quatro horas semanais.

 

iii. Lecionação noutra instituição de ensino superior privado ou cooperativo

Os docentes ao abrigo do ECDU e ECPDESP, em regime de exclusividade só podem lecionar em instituições de ensino particular ou cooperativo, a título gracioso, desde que tal resulte de contrato ou protocolo estabelecido para esse efeito (art.º 8º, n. º1, do Decreto-Lei n.º 145/87, de 24 de março).

Entendemos que os investigadores (ECIC) e os investigadores contratados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2016, apesar do regime de exclusividade poderão lecionar numa instituição particular ou cooperativa de ensino superior, desde que com autorização da entidade empregadora, e sem prejuízo do exercício de funções, respetivamente, se:

  1. Tal prestação não exceda, em média anual, um total de quatro horas semanais (art.º 52º, n.º 2, al. k), do ECIC);
  2. Tal prestação não exceda um máximo de quatro horas por semana e um valor médio anual de três horas semanais por semestre, e não podendo abranger responsabilidade exclusiva por cursos ou unidades curriculares (art.º 7º, n.º 4, al. e), do Decreto-Lei n.º 57/2016)

 

iv. Exercício de atividade como trabalhador, membro de órgão social ou detentor de quota social em empresa

Em tese, um docente /investigador poderá exercer funções ou atividades numa entidade empresarial singular ou coletiva numa das seguintes situações:

  1. Trabalhador;
  2. Prestador de serviços;
  3. Gerente, administrador ou diretor;
  4. Dono da empresa ou detentor de quota ou parte social, exercendo ou não qualquer cargo de gerência, direção ou administração.

 

Para o efeito deste esclarecimento, e de uma forma simplificada, adiante-se  que “empresa” é toda a entidade constituída de forma singular (empresário individual, estabelecimento comercial de responsabilidade limitada, sociedade por quotas (unipessoal) ou coletiva ( cooperativa, sociedade por quotas, sociedade anónima, etc.), que preste/venda bens ou serviços, abrangendo p. ex. a gestão de um “airbnb” ou de atividade equiparada, desde que enquadrada como atividade empresarial, uma sociedade imobiliária, uma sociedade agrícola, pecuária ou outra, de cariz familiar ou não, desde que tenha como finalidade a obtenção de proveito/ lucro (rendimentos de categoria B, comercial ou industrial).

Considerando que só a atividade remunerada contende com o dever de exclusividade, dir-se-á que:

  1. O exercício de funções remuneradas como trabalhador, gerente, administrador ou diretor, cuja eventual remuneração configura rendimentos do trabalho dependente, como vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, indemnizações (Categoria A do IRS), é violador do dever de exclusividade;[2]
  2. O exercício de funções remuneradas como prestador de serviços ou como empresário em nome individual, implica a obtenção dos denominados rendimentos empresariais e profissionais. Sendo estes rendimentos gerados pelo exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; integram-se também nesta categoria as importâncias obtidas no exercício de atividades por conta própria de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, independentemente da sua natureza (Categoria B do IRS), é violador do dever de exclusividade;
  3. Resta para análise a questão de saber se um mero detentor de capital de uma empresa ou sociedade comercial, um sócio, que não exerce qualquer função remunerada de gerente, administrador ou diretor, ou seja, não aufere qualquer rendimento de categoria A ou B, mas potencialmente terá apenas direito aos dividendos (parte dos lucros da empresa distribuídos aos sócios na proporção do capital social detido) viola, por essa razão o dever de exclusividade. Importa considerar que os dividendos são considerados rendimentos de capitais (Categoria E do IRS).

Apesar da qualidade de sócio não parecer configurar o exercício de uma função ou atividade remunerada, o certo é que os tribunais (v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Proc. n.º 00367/10.2), consideraram a qualidade sócio de sociedade comercial como violadora do dever de exclusividade, com o fundamento de que essa qualidade é potencialmente geradora de rendimentos, os dividendos/lucros distribuídos).

Parece assim poder concluir-se que ser sócio de uma qualquer empresa ou sociedade comercial, por si, viola o dever de exclusividade.

Contudo, parece também poder concluir-se, que ser sócio de uma cooperativa, que não visa o lucro, e, portanto, não gere dividendos, não será violador do dever de exclusividade.

 

v. Recebimento de rendimentos prediais

Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos, ou seja, os se aufiram, enquanto proprietário singular e senhorio pelo arrendamento de imóveis para habitação, comércio ou indústria ou outros fins e do arrendamento de terrenos agrícolas, florestais, destinados à pecuária, que englobam os rendimentos da categoria F, do IRS.

 Esta categoria abrange ainda os rendimentos provenientes da exploração de alojamento local, desde que esta não esteja afeta a uma atividade empresarial (ou seja, se um proprietário (por aquisição ou por sucessão) singular de imóveis, sem criação de empresa autónoma, os afeta a alojamento local, airbnb ou modalidade equiparada.

Julgamos que nestes casos, a perceção de tais rendimentos prediais não viola o dever de exclusividade.

 

vi. Exercício de atividade como “perito” no âmbito de entidades da União Europeia ou internacionais

O exercício de atividade  de “perito”, entendido como aquele que pela sua reconhecida especialização científica, técnica ou artística em determinada área do conhecimento for contratado, designado, indigitado ou nomeado por entidade institucional da União Europeia ou de outras organizações reconhecidas pelo direito internacional, para nessa qualidade elaborar estudos ou pareceres e por eles ser remunerado (para além de ajudas de custo/despesas de deslocação) enquadra-se, a nosso ver na hipótese legal configurada nas alínea h), do art.º 70º, n.º3, do ECDU e do art.º 34º-A, n.º3, do ECPDESP, não devendo o exercício de tal atividade, mesmo remunerada, ser considerada como violação do dever de exclusividade.

Apesar do art.º 52º, do ECIC não ter norma de igual teor, julgamos que por analogia se deva aplicar o regime previsto no ECDU/ECPDESP.

 

Uma nota final: a violação do dever de exclusividade, tem nos termos das normas estatutárias aplicáveis as seguintes consequências:

  1. Reposição das importâncias efetivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva;
  2. Eventual responsabilidade disciplinar.

Sobre estas consequências importa deixar de registo de algumas notas:

  1. A reposição prescreve no prazo de 5 anos após o recebimento das importâncias efetivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva
  2. Pode considerar-se que a violação do dever de exclusividade não tem obrigatória consequência de aplicação de sanção disciplinar; pode haver motivos que demonstrem a falta de consciência não censurável da ilicitude dos atos violadores do dever de exclusividade ou se verifiquem circunstâncias dirimentes da responsabilidade

Se for demonstrada a responsabilidade disciplinar, em abstrato a sanção disciplinar a aplicar pode ser a de suspensão de funções, sem remuneração, por um período máximo de 240 dias.

Dr. José Henriques Martins

 

[1] Ainda está em vigor o Decreto-lei n.º 145/87, de 24 março, que regula a transição de um regime de prestação de serviços para outro.

[2] O supra exposto aplica-se também, desde que as funções sejam remuneradas a quem exercer funções de administração, direção numa associação sem fins lucrativos, numa fundação ou em qualquer tipo de associação civil ou pública ou numa IPSS ou entidade equiparada

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